As regras de aposentadoria dos contribuintes do Regime Próprio de Previdência Social se tornaram, ao longo do tempo, verdadeiro enigma para os milhares de trabalhadores do serviço público de todo o País, após a publicação de diversas emendas constitucionais nas últimas décadas. A aposentadoria dos servidores é assunto considerado complexo, mesmo para especialistas das áreas jurídica e previdenciária, pois está em vigor série de mecanismos legais que criam caminhos a serem interpretados e discutidos, inclusive na Justiça.
O advogado Rafael Marcatto, sócio da Advocacia Marcatto e especializado na previdência de servidores públicos, revela número alarmante: atualmente, o estatutário conta com pelo menos 38 modalidades de aposentadoria. “O número assusta, mas é resultado das sucessivas reformas previdenciárias que desconfiguraram a redação original da Constituição Federal de 1988”, explica.
O professor e autor de diversas obras de Direito Previdenciário, Marco Aurélio Serau Jr., esclarece que as aposentadorias no serviço público são regidas pelo artigo 40, da Constituição Federal, e se dividem basicamente em quatro modalidades: aposentadoria por tempo de contribuição, por idade, por invalidez e compulsória.
“Para as aposentadorias por tempo de contribuição e idade, exige-se tempo mínimo de dez anos de serviço público e cinco no cargo em que se der a aposentação (considerando que o profissional junte o tempo com o do INSS – Instituto Nacional do Seguro Social). Além disso, são requeridos 30 anos de contribuição para a mulher e 35 para o homem, com exigência de idade mínima de 60 anos para o homem e 55 para a mulher”, afirma o professor.
Já a aposentadoria por idade requer, apenas, pelo menos 65 anos para o servidor e 60 anos para a servidora, “mas o valor da aposentadoria será proporcional às contribuições, ou seja, quem tiver pouco tempo de contribuição recebe menos”, destaca Serau Jr.
De acordo com Marcatto, até 16 de dezembro de 1988, período no qual ainda tinha vigência a redação original da Constituição Federal, já existia a ramificação de nove novas modalidades de aposentadoria: voluntária integral, voluntária proporcional, voluntária por idade proporcional, invalidez integral, invalidez proporcional, compulsória, magistrado integral, professor integral e policial civil integral.
Depois desse período, Marcatto destaca que dezenas de novas ramificações de modalidades foram integradas ao regime, por conta da edição de ECs (Emendas Constitucionais), como a 20/1998, a 41/2003 e a 47/2005. “Por isso é um tema complexo, mas como regra geral atual podemos indicar que a aposentadoria do servidor público, hoje, se dá com 60 anos de idade e 35 anos de contribuição para o homem, 55 anos de idade e 30 anos de contribuição para as mulheres”, afirma o especialista.
O advogado previdenciário João Badari,sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Sociedade de Advogados ressalta que, por conta de todas essas alterações, é muito importante que os servidores detenham esses conhecimentos para não perderem direitos como a isonomia e a paridade. “São direitos que garantem que os proventos serão reajustados de acordo com o índice dos servidores em atividade, além de garantirem o direito de integrarem novo plano de cargos, caso isso ocorra após a aposentadoria”, pontua.
Marcatto observa que a aposentadoria do servidor envolve diversas questões e enfoques, como averbações e contagens de tempo, período de readaptação, licenças médicas, afastamentos, acidentes de trabalho e doença profissional, entre outros.
“É importante o servidor buscar o correto enquadramento nas diversas opções de aposentadoria. Muitos casos podem requerer, por exemplo, aposentadoria especial, revisão de cálculos de aposentadorias concedidas pela média, teto salarial, aposentadorias por invalidez, verbas que devem integrar a aposentadoria e o cálculo da média. Além da avaliação das regras da paridade e integralidade, pensão integral, revisão de pensão e incorporação de gratificações, dentre outros. Essas questões devem ser corretamente analisadas frente às emendas constitucionais. Todos esses detalhes interferem na concessão da aposentadoria, e também no valor e qualidade do benefício”, explica.
INTEGRAL
Serau Jr. ressalta que desde 2003 não existe mais o benefício integral para os servidores. “Ao contrário do que o senso comum pensa, não há mais aposentadoria integral para os trabalhadores do serviço público (que ingressaram a partir dessa data). Isso passou a ser uma regra devida apenas aos servidores antigos, e desde que cumpram as regras de transição constantes das diversas Emendas Constitucionais que trataram do tema”.
A Emenda Constitucional 41/2003 fixou um teto para aposentadoria, passou a descontar parte dos proventos dos aposentados a título de contribuição previdenciária e mitigou as possibilidades de aposentadoria integral com paridade e isonomia entre ativos e inativos.
“Além disso, definiu redutor no valor dos proventos para os servidores que se aposentassem antes da idade mínima fixada na Emenda Constitucional 20/1998, ou seja, 60 anos sendo servidor, 55 anos sendo servidora, 55 sendo professor e 50 anos sendo professora. Esse redutor equivale hoje a 5% a cada um ano de idade a menos do mínimo fixado por sexo, o que representa prejuízo enorme a quem decide levar em conta somente o tempo de contribuição”, orienta Badari.
Segundo Serau Jr., a partir de 2013 a previdência destinada aos servidores públicos federais e do Estado de São Paulo passou a ser muito semelhante à do Regime Geral de Previdência Social, “com a fixação de teto para os benefícios pagos igual àquele aplicado pelo INSS. Para receber mais do que isso, os servidores devem buscar planos de previdência privada”, explica.
DIFERENÇAS
O Regime Próprio de Previdência Social é muito diferente, segundo os especialistas, do Regime Geral de Previdência Social. “São dois regimes muito distintos, mas que tendem a se unificar ao longo do tempo. A principal diferença hoje é o teto contributivo do INSS, na faixa de R$ 4.663,75, que não se aplica, via de regra, aos servidores públicos”, pontua Marcatto.
Na visão do doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, ex- juiz do trabalho e ex-procurador do trabalho do Ministério Público da União, Gustavo Filipe Barbosa Garcia, as diferenças de tempo de contribuição e idade entre os regimes de previdência não mais se fundamentam.
“Tendo em vista o princípio da igualdade, não se justificam as diferenças entre os regimes, salvo exceções bem pontuais. O mais adequado seria a uniformização, passando a prevalecer o tratamento isonômico dos diversos segurados, preservando, assim, o que estabelece nossa Constituição Federal”.
Garcia também destaca que o Regime Próprio de Previdência Social é “aplicável aos militares e aos servidores públicos estatutários cujos entes políticos os tiverem instituído”.
Emenda eleva compulsória para 75 anos
Recentemente foi promulgada no Senado Federal a Emenda Constitucional 88, que aumenta de 70 para 75 anos a idade de aposentadoria compulsória dos servidores públicos.
Conforme a proposta, a aposentadoria compulsória aos 75 anos será adotada de imediato para os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), dos demais tribunais superiores e do TCU (Tribunal de Contas da União). Ela poderá ser ampliada para todos os servidores públicos em uma futura lei complementar, a ser discutida pelo Congresso Nacional.
Rafael Marcatto, sócio da Advocacia Marcatto, explica que a aposentadoria compulsória, chamada também de expulsória, é aquela que obriga a administração pública a aposentar o servidor com idade de 70 anos, sem qualquer outra condição ou possibilidade. Ou seja, representa a idade limite que o profissional do serviço público pode se manter na ativa. “Essa recente alteração promulgada no Senado, que coloca o limite de idade para 75 anos é válida, por enquanto, apenas para os ministros dos Tribunais Superiores. Medida esta que deverá ser naturalmente estendida para todos os servidores públicos”, esclarece Marcatto.
ERRO
O professor Marco Aurélio Serau Jr. acredita, porém, que estender esta regra para todos os funcionários do serviço público é inconstitucional e pode, inclusive, desencadear ações na Justiça.
“Entendo que não é possível estender a possibilidade da aposentadoria compulsória aos 75 anos para os demais servidores, por flagrante inconstitucionalidade. Trata-se de exceção constitucional, que não pode ser ampliada, por ora, por mera interpretação judicial, como já vem ocorrendo, a exemplo de recentes decisões judiciais”, alerta Serau Jr. | Fonte: Diário do Grande ABC – 01/06/2015