PF prende desde 2003 ao menos 300 por vínculo com jogo ilegal

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A Polícia Federal prendeu desde 2003 pelo menos 300 pessoas em operações relacionadas ao jogo ilegal, como exploração de máquinas caça-níqueis, bingos e jogo do bicho. Dos detidos em 35 operações cujos dados foram disponibilizados pela PF, quase 40 eram servidores públicos ou policiais federais.

O G1 fez o levantamento com base em dados sobre as operações da PF entre 2003 – a partir de quando os dados estão disponíveis – e 2010. A PF informou não ter dados disponíveis sobre ações de 2011 e 2012, exceto a Operação Monte Carlo, na qual foram presas 28 pessoas, entre as quais o bicheiro Carlinhos Cachoeira, alvo de uma CPI no Congresso Nacional que apura o vínculo dele com políticos e autoridades.

As prisões relativas à exploração do jogo ilegal representam menos de 2% do total de prisões efetuadas pela PF desde 2003. Ao todo, computados todos os tipos de crime, 15.754 pessoas foram detidas no período.

A exploração do jogo ilegal no Brasil não é crime, mas sim uma contravenção penal – crime considerado de menor potencial ofensivo. Pode render, no máximo, um ano de prisão e multa. Estão elencados na Lei das Contravenções Penais punições para dirigir sem habilitação ou vender bebida alcoólica para menores de idade.

No entanto, segundo juristas ouvidos pelo G1, as prisões realizadas pela PF ou mesmo outras polícias nunca ocorrem por conta do jogo ilegal, mas sim por crimes como formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e corrupção.

Ainda segundo os especialistas no assunto, é baixo o índice de punições no caso de prisões relativas a esse tema. Na Operação Monte Carlo, por exemplo, das 28 pessoas presas no fim de abril, somente seis permanecem detidas, entre elas Carlinhos Cachoeira.

Código Penal
No Congresso, estão em discussão mudanças na legislação que podem ajudar a punir grupos que exploram jogo ilegal com o envolvimento de servidores.

Pelo menos duas propostas já aprovadas pela comissão de juristas que elabora o anteprojeto do Código Penal vão facilitar punições nesse caso: a que torna crime a exploração do jogo e a que cria a figura da organização criminosa. O anteprojeto ainda terá de ser discutido e votado no Senado e na Câmara.

“A prisão não ocorre pela contravenção por si, mas pela formação de quadrilha, violência, corrupção. O que o anteprojeto quer é tornar o jogo ilegal crime e tornar mais fácil o trabalho da polícia na caracterização da organização criminosa. Mas não é decisivo, não dá para jogar nessa modificação a responsabilidade de acabar com esse tipo de problema”, afirma o procurador da República Luiz Carlos Gonçalves, relator do anteprojeto do Código Penal.

Atuação da PF
O advogado criminalista Cléber Lopes questiona a efetividade das operações da PF no que diz respeito ao combate ao jogo ilegal. “Das pessoas que são presas pela PF, é irrisória a quantidade das que vão a julgamento. E menor ainda a de quem é de fato julgado e cumpre pena. Essas operações custam muito ao Estado e nem sempre dão o resultado esperado”, afirma.

Ainda na opinião de Lopes, a PF não tem conseguido comprovar a prática dos crimes relacionados ao jogo ilegal, como lavagem de dinheiro e corrupção, nas investigações que empreende.

“A PF apresenta muitos diálogos, interceptações telefônicas, que são indícios, mas não provam o crime. O Judiciário trabalha com base no que tem nos autos. Não dá pra condenar com base em escuta telefônica”, disse o advogado.

Para o ex-ministro do STF Carlos Velloso, muitas da prisões feitas pela Polícia Federal não se sustentam judicialmente.

“Muitas dessas prisões são desnecessárias, são feitas em número maior que o necessário. São prisões cautelares que, quando analisadas pelos tribunais, não se sustentam.”

Velloso afirma que o longo trâmite dos processos na Justiça prejudica as punições. “Nosso sistema prevê que a pessoa só vai presa quando o processo tiver transitado em julgado, são muitos recursos até a última instância. Leva muito tempo.”

O G1 procurou a Polícia Federal, que não havia se manifestado sobre as críticas até a última atualização desta reportagem.

‘Aparentemente inofensivo’
Ex-secretário nacional de Segurança Pública, o coronel José Vicente da Silva Filho diz que o entrave não está nas investigações da PF que, em sua opinião, “são feitas com cuidado e coletam o máximo possível de evidências”.

“O problema é que temos uma estrutura geral de impunidade no país, como a falta de atualização da lei, que deve tornar o jogo crime e não contravenção. Hoje, o crime mais organizado é o jogo ilícito. E a contravenção do jogo do bicho é considerado um crime mais ‘light’, não é tão mal visto pelas forças de repressão e pela população. Há uma grande tolerância.”

Silva Filho afirma ainda que, “por trás da cortina do jogo ilegal, há estruturas pesadas, envolvendo corrupção”.
“Esse tipo de crime sempre envolve autoridade policiais, promotores, juízes paroquianos. Mas a gente percebe, e o caso Cachoeira mostra isso, que esse tipo de contravenção, se não tivermos cuidado, pode comprometer estruturas elevadas do poder público. […] Não se pode subestimar o problema criminal de um crime aparentemente inofensivo.”

Fonte: G1

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