Para resolver problemas causados por sucessivos atos institucionais e complementares, responsáveis pelo esvaziamento da Constituição de 1946, o regime militar providenciou a Constituição de 1967, cuja elaboração resultou do Ato Institucional n.º 4, de 7 de dezembro de 1966, baixado pelo presidente Castelo Branco. Determinou-se a convocação extraordinária do Congresso Nacional para que, no período compreendido entre 12 de dezembro e 24 de janeiro de 1967, se aprovasse nova Carta Política, que, “além de uniforme e harmônica”, representasse “a institucionalização dos ideais e princípios da Revolução”.
Da nova Constituição foi dito que, “muito combatida à época, e depois do AI-5 lembrada com saudade, acabou na Emenda Constitucional n.º 1, de 17 de outubro de 1969”, baixada, autoritariamente, pelos ministros do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. A Emenda n.º 1 conservou elevado número de dispositivos anteriores, entre os quais – como artigo 162 – o que proibia a greve “nos serviços públicos e atividades essenciais, definidas em lei”.
O ressurgimento das paralisações coletivas nas indústrias automobilísticas do ABCD paulista, a partir de 1978, obrigou o presidente Ernesto Geisel a regulamentar a norma constitucional, o que fez mediante o Decreto-Lei n.º 1.632, de 4 de agosto de 1978. Foram expressamente proibidas as suspensões coletivas de trabalho em serviços públicos e atividades essenciais, como as de água e esgoto, energia elétrica, petróleo, gás e outros combustíveis, bancos, transportes, comunicações, carga e descarga, hospitais, ambulatórios, maternidades, farmácias e drogarias, bem como outras que viessem a ser definidas por decreto do presidente da República. Foram, ainda, qualificados como essenciais e de interesse da segurança nacional os serviços públicos federais, estaduais e municipais, de execução direta, indireta, delegada ou concedida, inclusive os do Distrito Federal.
Quem viveu os últimos anos do período discricionário deve recordar-se da inocuidade que se apossou da legislação repressora. Ignorando a Constituição autoritária, a legislação vigente e decisões dos tribunais que decretavam a ilegalidade e ordenavam o imediato retorno ao trabalho, uma epidemia de greves assolou o País, tanto nas atividades privadas como nos serviços públicos, sob o comando da então recém-nascida Central Única dos Trabalhadores (CUT), na qual se concentravam sindicatos controlados pelo Partido dos Trabalhadores (PT).
A Constituição democrática de 1988 adotou três diretrizes em matéria de greve: negou-a aos integrantes das Forças Armadas e das Polícias Militares, submetidos ao rigor do Código Penal Militar; permitiu-a, mas de maneira controlada, na esfera da iniciativa privada; e reconheceu-a como direito nos serviços públicos, dentro, porém, dos termos e limites de lei específica, conforme prescreve o artigo 37, VII. A diferença entre os setores privado e público decorre, portanto, de que o primeiro está regulado pela Lei n.º 7.783/89, ao passo que o segundo continua à espera da legislação disciplinadora.
Desta sorte, quando determinado sindicato de trabalhadores decreta paralisação geral, está obrigado a saber o que faz, como fazer e os riscos assumidos. A Lei de Greve não deixa dúvidas acerca das imposições quando o movimento visar à interrupção de serviços e atividades essenciais, como assistência médica e hospitalar, transporte coletivo, coleta de lixo.
O seu inciso VII cobra lei apta a esclarecer em que termos, e dentro de que limites, sindicatos de servidores públicos estarão autorizados a deflagrar greve. Quando impõe limites, o dispositivo constitucional indica que alguns serviços são insusceptíveis de paralisações. Nas greves de trabalhadores até se aceita que atividades essenciais sejam suspensas, conquanto nunca de maneira irrestrita. Por acordo entre o sindicato e a empresa, ou mediante determinação da Justiça do Trabalho, serão mantidos “serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”. Por definição, qualquer serviço público é indispensável e inadiável. Não o fosse, nada justificaria os gastos com dinheiro do contribuinte.
A lei deverá, ainda, fixar requisitos em relação às assembleias. Nada de votos por aclamação, em lugares abertos, sem possibilidade de controle. Decidida a paralisação, a direção do órgão público dela será informada com razoável antecedência. Algo como 60 dias, a fim de lhe permitir preparar-se para a negociação, e tomar providências acautelatórias.
Em determinados serviços, como Polícia Federal, Judiciário, Previdência Social, hospitais e unidades de saúde, educação, segurança, o direito de greve será objeto de rigoroso controle, em nome da população indefesa. Vivemos num Estado Democrático de Direito, regidos por Constituição discutida e promulgada por representantes do povo. Quem desejar fazer greve cobre da presidente da República, Dilma Rousseff, o encaminhamento do projeto de lei ao Congresso Nacional e acompanhe as discussões travadas na busca da norma legal que melhor consulte os interesses do povo.
Por derradeiro, o problema dos dias parados. A participação em greve legal “suspende o contrato de trabalho”, diz a Lei n.º 7.783/89. Logo, não há pagamento dos dias de paralisação. Se a greve for ilegal, por mais fortes razões as faltas serão descontadas. Regras análogas devem ser adotadas no serviço público, sob pena de incentivo a movimentos que poderiam ser evitados.
Legislação demasiado rigorosa corre o risco de ser desmoralizada. Quando frouxa e tolerante, já surgirá desacreditada. Compete ao Poder Executivo encontrar a linha de equilíbrio. E contar com a ajuda do Legislativo, na tentativa de resolver o desafio de greves que lhe afrontam a autoridade.
Autor: Almir Pazzianotto PintoFonte: O Estado de S. Paulo – 13/09/2012