Estudo da Escola Nacional da Administração Pública (Enap) mostra retrato de corpo inteiro do quadro do Executivo federal. Feita entre 2002 e 2012, a pesquisa permite análise de avanços e distorções registradas na administração pública ao longo de 10 anos. Uma das deturpações mais flagrantes é a distribuição dos servidores.
Ao ver os números, pessoa desavisada apostaria que o Rio de Janeiro ainda ostenta o título de capital da República. A Cidade Maravilhosa abriga o dobro dos funcionários públicos do Executivo federal, apesar de a transferência ter ocorrido em 1960. Dados de 2012 falam alto: dos 164.814 servidores, 102.236 desempenham as funções em terras fluminenses. Só 62.578 atuam no Planalto Central.
Parece que sofreu poucos abalos a resistência observada nos primeiros anos da mudança da capital. À época, o governo precisou oferecer vantagens para que servidores deixassem a orla e se transferissem para o centro do país. Entre outras benesses, pagava hospedagem e salário em dobro. Explica-se a generosidade. Nos anos 60 do século passado, o Distrito Federal era carente de meios aptos a oferecer o mínimo de conforto a que o cidadão estava acostumado e sem o qual não aceitava viver.
Não é o caso de hoje. Brasília tem a renda per capita mais alta do Brasil. Dispõe de boa rede de ensino, comércio similar ao do Sudeste e oferta de moradia que rivaliza com a dos grandes centros das regiões mais desenvolvidas do país. Não só. Os serviços públicos funcionam, apesar da burocracia, que, diga-se de passagem, constitui praga nacional. Em suma: desapareceram as razões que legitimavam a recusa de embarcar na aventura de JK.
Não é só essa distorção que se observa no Executivo. Outras insistem em se reproduzir. É o caso dos cargos de livre nomeação. Os DAS 5 e 6, que pagam os salários mais altos da administração, estão majoritariamente em mãos masculinas — 72% contra 28%. A preferência não se apoia na escolaridade, mas no conservadorismo e, talvez, no machismo que ainda se observa na sociedade brasileira.
Com as demais vagas, preenchidas por concurso público, não há possibilidade de discriminação. O critério da excelência define a ordem de chamada e a remuneração. O Estado tem condições de servir de modelo para o setor privado. Velhos preconceitos, cuja obsolescência o tempo se encarregou de escancarar, precisam virar a página. São história passada, amarelada pelo atraso que enrubesce a contemporaneidade. (Visão do Correio) | Fonte: Correio Braziliense – 01/10/2013.