Além do “alcoólico”, contudo, a PF já identificou ao menos 11 diálogos no celular de Ricardo Pessoa que envolvem conversas cifradas e apelidos e que estão na mira dos investigadores.
Com os avanços da Operação Lava Jato sobre políticos e empresários, a força-tarefa da operação rastreia os apelidos e siglas utilizadas pelo dono da UTC e delator Ricardo Pessoa em trocas de mensagens no celular e em telefonemas para se referir a agentes políticos e responsáveis por intermediar o pagamento de propinas, em alguns casos disfarçadas de doações eleitorais, segundo o Ministério Público Federal.
Na terça-feira, 12, a Lava Jato prendeu preventivamente o ex-senador Gim Argello, do PTB e que tinha o apelido de “alcoólico”, utilizado por Pessoa. A investigação revelou que os conteúdos das conversas citando alcoólico envolviam o pagamento de dinheiro via doações oficiais para que os empreiteiros não fossem convocados para a CPI da Petrobras no Senado e a CPI Mista da Petrobrás no Congresso, em 2014.
Além do “alcoólico”, contudo, a PF já identificou ao menos 11 diálogos no celular de Pessoa que envolvem conversas cifradas e apelidos e que estão na mira dos investigadores. São desde menções a “bovino religioso”, “descobridor”, “JVN” e até apelidos como “nazista” e “alemão”, que a força-tarefa da Lava Jato tenta descobrir o verdadeiro significado.
Em um diálogo de WhatsApp, por exemplo, um interlocutor pergunta para Pessoa em 12 de abril de 2014 se “o negócio do descobridor da América foi entregue para o João???”. A mensagem é seguida por outras três questionando sobre a suposta entrega, até que o interlocutor afirma: “Já esta na mão dele, abs”. A reportagem tentou contatar o número do interlocutor, mas a ligação não completa.
Dentre as conversas que mais chamam a atenção, estão os diálogos de Ricardo Pessoa com Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS condenado na Lava Jato. Ao longo de 2014, eles citam diálogos com outros empreiteiros, advogados para lidar com a Lava Jato e fazem referências a siglas como “JC” e “amigo” em diálogos e encontros cujos contextos ainda não estão claros.
As trocas de mensagens vão até 12 de novembro de 2014, dois dias antes da Juízo Final, sétima fase da Lava Jato que botou Léo Pinheiro e Ricardo Pessoa, além de outros executivos das cúpulas das principais empreiteiras do País, na cadeia.
Em uma das conversas eles chegam a tratar de um encontro com um “amigo”, e sobre “fazer a ação”, em primeiro de outubro de 2014, durante o período eleitoral e quando a Lava Jato começava a avançar sobre as empreiteiras.
Em outra conversa, do dia três de outubro, Léo Pinheiro chega a afirmar que Ricardo Pessoa estaria “afinado” com “os nazistas”, ao que o dono da UTC afirma que não faz parte do “3 Reich”, confira:
Ainda em outro momento, no dia 18 de outubro de 2014, eles chegam a falar de um “nobre amigo” do Rio, sem deixar claro quem é, mas indicando que precisam falar com ele.
Alguns diálogos já foram decifrados pela Polícia Federal, como a conversa em que Pessoa fala com Walmir Pinheiro, que era o responsável pelo setor financeiro da UTC e também fez delação premiada, sobre “JVN”.
“WP (Walmir Pinheiro), JVN me ligou dizendo que você abandonou ele. Será que foi a mudança de end. Do del?”, disse o empreiteiro. Pinheiro, então, afirma que vai entrar em contato com a pessoa referida na sigla, que a PF identificou ser o ex-tesoureiro do PT preso na Lava Jato, João Vaccari Neto.
Há ainda um e-mail da secretária do PMDB chamada Neyla encaminhando uma “solicitação do ex-deputado Geddel Vieira Lima em setembro de 2014, com os dados da conta bancária do diretório do PMDB na Bahia durante as eleições. Na ocasião, o ex-deputado disputava o cargo de senador pela Bahia e, segundo sua assessoria, a solicitação era um pedido de doação eleitoral, que foi realizada e posteriormente declarada à Justiça Eleitoral.
Situação semelhante ocorreu em uma conversa de 2 de abril de 2014, quando Pessoa cobra de Walmir Pinheiro uma suposta doação para o “D. Nacional” e diz que está sendo cobrado pelo “homônimo” de seu genro. Mais na frente na conversa eles chegam a mencionar o nome “Filipi”, que a PF identificou, a partir da análise da agenda do celular do empreiteiro, que se tratava do ex-tesoureiro do PT, José de Filippi Júnior.
Questionado pela reportagem, o próprio Filippi afirmou que a mensagem era referente a um pedido de doação eleitoral à UTC para o diretório nacional do PT, para depois ser transferido para o diretório estadual da sigla em São Paulo.
Nos relatórios em que destrincham as conversas, a Polícia Federal pontua que Pessoa “tem contato com diversos outros agentes políticos” além dos que aparecem nos diálogos, e que o material analisado foi selecionado levando em conta somente as conversas “em que aparece o pedido ou solicitação específico ou agradecimento por contribuição em campanhas eleitorais, ou pelo atendimento de outros favores com caráter econômico”, assinala o delegado Ricardo Hiroshi Hishida.
No documento a PF não atribui nenhum ilícito aos envolvidos nas conversas, mas deixa claro que o material pode ainda ser cruzado com outras análises complementares e levantamentos de repasses eleitorais para apurar eventuais irregularidades.
Defesas
Procurada, a assessoria da OAS informou que não iria comentar o conteúdo. A reportagem tentou contato com a defesa da UTC, mas a advogada estava em reunião e não pode atender às solicitações até o fechamento deste texto. A defesa de João Vaccari Neto também não quis comentar o caso.
A assessoria do diretório do PMDB na Bahia afirma que, “no referido relatório, não consta irregularidade alguma relacionada ao Diretório Estadual do PMDB ou ao então candidato a Senador, Geddel Vieira Lima, nas eleições de 2014. O email da secretaria do Partido mencionado no relatório nada mais é senão o envio de informações bancárias e CNPJ do Diretório Partidário para ser procedida doação eleitoral, como ocorrido com todas as outras doações recebidas naquela eleição”, diz o texto.
José de Filippi Junior, por meio de sua assessoria, afirma que solicitou “oficialmente contribuições à UTC para o Diretório Estadual do PT, via Diretório Nacional, e o mesmo foi feito de forma legal, registrado em TED, e encaminhado para Justiça Eleitoral”. Diz ainda que a doação “pode ser comprovada na prestação de contas do PT do ano em questão”. Filippi diz ainda que já prestou “esclarecimentos à Polícia Federal sobre este contato com o sr. Ricardo Pessoa”.
Fonte: Correio Braziliense