Com a extinção do ano de permanência, milhares de servidores se aposentarão e os RPPS terão que arcar com as despesas decorrentes do pagamento de todas essas aposentadorias.
Como parte do pacote de medidas que objetivam amenizar a crise econômica que abate o país, o Governo Federal encaminhou ao Congresso Nacional, a PEC nº 139/2015, com o objetivo de extinguir o abono de permanência no serviço público.
A referida PEC possui um texto simples e direito, assim vazado:
Art. 1º Ficam revogados:
I – o § 19 do art. 40 da Constituição; e
II – o § 5º do art. 2º e o § 1º do art. 3º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003.
Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.
Na forma do texto proposto, o servidor não precisa ter mais dúvidas: a PEC nº 139/2015, extingue totalmente o abono de permanência. Não só para o futuro, mas também para todos os servidores que já vêm percebendo tal direito. Todos deixarão de recebê-lo. O Estado deixará de pagá-lo.
Esta extinção, da forma como se apresenta, abarca o serviço público federal, estadual e municipal. Portanto, todos os servidores, de todos os entes federativos, que estão percebendo o abono ou que fariam jus a recebê-lo, deixarão de ter este direito, caso a PEC seja aprovada pelo Congresso Nacional.
Isto ocorre porque a PEC, incontestavelmente, revoga as três hipóteses de concessão do abono de permanecia. O instituto simplesmente deixa de existir. A Administração Pública não possui mais a obrigação legal de pagar. O direito oponível contra o Estado deixa de existir. Simples assim.
E na justificativa que acompanha o texto da PEC, o Governo Federal alinha suas argumentações da seguinte forma:
A criação do abono de permanência respeitou a lógica de retrair a concessão de aposentadorias precoces no serviço público federal e uma possível grande evasão de quadros. Observe-se que em dezembro de 2002 o Poder Executivo Federal contava com 530.662 servidores públicos civis (fonte: Boletim Estatístico de Pessoal Jan/2003) o que perfazia uma redução significativa ante o quadro existente em 1991, de 661.996 servidores.
Já em dez/2014, os quadros de servidores da União foram recuperados para o quantitativo 705.516 com enorme ênfase na alocação de servidores na expansão de serviços diretos à população como as Instituições de Ensino, INSS e Polícias Federal e Rodoviária Federal.
Assim, o atual perfil e quantitativo dos servidores públicos civis da União deixa de exigir estímulos especiais à permanência do servidor público civil na ativa, o que permitirá ainda natural efeito renovador no serviço público federal.
Perceba que na justificativa, o Governo sempre se refere a números e estatísticas da Administração Pública Federal, e no final, pugna pela extinção total do abono de permanência, o que afeta os demais entes federativos. Isto é, expõe que não lhe interessa mais a manutenção do abono no âmbito do serviço público federal, e deixa de indagar se é de interesse de estados e municípios, sobretudo do ponto de vista econômico, a continuação e manutenção de tal instituto.
A proposta, portanto, desconsidera os interesses de estados e municípios, já que é bem possível que algum ente federativo deseje que o abono de permanência continue a existir. Afinal, embora a crise atinja a todos, cada ente tem uma realidade financeira distinta.
Assim sendo, no que pese a existência de eventuais opiniões em contrário, nos parece lícito aos estados, reeditarem, em texto legal local, o abono de permanência para atender suas necessidades, com alicerce no que estabelecem os incisos I e XII em c/c o §3º do art. 24 da CF/88, “verbis”:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
XII – previdência social, proteção e defesa da saúde;
§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
Simplesmente, alguns estados podem não querer o fim do abono de permanência, por se constituir em importante instrumento de equilíbrio nos gastos do RPPS.
Por esta razão, salvo melhor juízo, defendemos aqui a possibilidade de criação de um abono de permanência local, dependendo do interesse econômico de cada estado membro. Afinal de contas, não estar-se-á criando um benefício previdenciário, mas sim, legislando, sobre matéria autorizada pelo texto constitucional, com o objetivo de atender às necessidades locais.
Mas nós precisamos ainda entender a lógica da extinção do abono de permanência. Que lógica? A lógica apresentada pelo governo Federal, obviamente.
Pois bem. De plano, o governo alega que, com a extinção do abono de permanência, economizará, só em 2015, cerca de R$ 1.260.294.076,99.
Entretanto, quando falamos de abono de permanência, estamos falando de contribuições previdenciárias. Isto é, o servidor contribui, o dinheiro chega ao RPPS e o governo devolve para o servidor o mesmo valor da contribuição previdenciária paga.
E com a extinção do abono, o governo deixará de devolver ao servidor o valor da contribuição previdenciária, que representa 11% sobre sua remuneração no cargo efetivo.
Ocorre que, com a extinção do ano de permanência, que é o incentivo que segura muitos servidores na ativa, milhares e milhares de servidores se aposentarão, e os RPPS terão que arcar com as despesas decorrentes do pagamento de todas essas aposentadorias.
Portanto, pela lógica do governo, haveria economia com a extinção do abono, que nada mais é do que a devolução do valor da contribuição previdenciária ao servidor. O Governo economizaria esta quantia, mas transferiria um problema muito maior para os já desequilibrados RPPS, o pagamento de milhares e milhares de aposentadorias que surgiriam no cenário, da noite para o dia.
Ora, mas isto não é problema do governo, já que quem paga as aposentadorias é o RPPS, que possui CNPJ e cofre distinto do do Governo. Afinal, os servidores e os entes federativos contribuíram a vida inteira para que, no momento da aposentadoria, esta despesa ficasse, evidentemente, para os RPPS. Agora, seria a vez do regime de previdência cumprir sua parte no acordo. Correto?
Correto se os RPPS fossem financeira e atuarialmente equilibrados. Mas não é o que ocorre na maior parte dos entes federativos.
O Governo não pode esquecer que a Lei nº 9.717/98, estabelece ser ele garantidor, com recursos próprios, pelo pagamento dos benefícios previdenciários, na eventualidade de insuficiência financeira nos RPPS. Portanto, o pagamento e manutenção das aposentadorias não é um problema exclusivo dos RPPS. Os entes federados estão obrigados a socorrer o cofre do RPPS. E, na prática, a insuficiência financeira tem sido a regra e não a exceção.
Portanto, atualmente, mesmo com abono de permanência, os RPPS já não conseguem sobreviver sem os aportes do tesouro federal, estadual e municipal. Imagine após a extinção do abono, com a enxurrada de aposentadorias que ocorrerão.
Em resumo, extinguindo-se o abono de permanência, o Governo economizará o valor da contribuição previdenciária, o servidor sem incentivo de permanecer em atividade, aposentar-se-á em massa, o RPPS terá sua despesa aumentada de forma vertiginosa, desequilibrando mais ainda suas combalidas finanças e o Estado, por força da lei, será obrigado a socorrer o RPPS, aportando recursos para cobrir a previsível a insuficiência financeira, que só tenderá a crescer.
É um ciclo vicioso. É uma conta que será cobrada mais ali na frente. É como se o Governo trocasse uma dívida menor por uma maior que será apresentada mais adiante. Destarte, a economia anunciada é efêmera. Não se deve utilizar gasolina para se apagar uma fogueira.
Fonte: JUS Navigandi